domingo, 25 de fevereiro de 2007

"Sobrecarga Competitíva"


É corrente, se não comum, ver treinadores, jogadores, e até jornalistas atribuírem o cansaço das equipas Portuguesas que disputam competições internacionais à sobrecarga de jogos.
Recentemente Fernando Santos, veio a público justificar o cansaço dos seus jogadores através da sobrecarga competitiva que atravessavam. Sobre este assunto, no jogo Benfica vs Nacional, vários comentadores durante o jogo, quer na rádio quer na tv, relatavam o cansaço da equipa encarnada. Se retrocedermos no tempo, Paulo Bento, referia essa mesma sobrecarga como razão explicativa da rotatividade do plantel, rotatividade essa que estranhamente (ou talvez não) não só não produziu resultados, como desgastou jogadores chave que hoje em dia parecem sombras daquilo que exibiram há pouco tempo atrás (caso de Moutinho, p.e.).
Esta atitude prova, no meu ponto de vista, o completo amadorismo e autismo do futebol nacional.
Vamos a factos:

1. O campeonato Português compõe-se de 16 equipas. Internamente os clubes disputam 2 competições internas. Tal configuração permite que os jogos ocorram intervalados por uma semana durante a maior parte da época, assim como permite pausas de quase um mês durante o Natal. No máximo as equipas disputarão 3 competições.
2. A Premier League tem 20 equipas, coexistindo 3 competições internas. A maior parte da época é composta por jogos bisemanais, repartidos entre as diferentes competições. Paralelamente várias equipas Inglesas disputam ainda competições europeias. Não existem pausas competitivas significativas.
3. O Calcio (20 equipas, 2 competições internas), a La Liga (20 equipas, 2 competições internas), a La Ligue (20 equipas, 3 competições internas), a Bundesliga (18 equipas, 2 competições internas) são outros exemplos de maior ritmo competitivo.

Perante isto, não se pode afirmar em boa verdade, que a nossa Liga é exigente em termos de calendário e muito menos em termos de competição! Argumentar-se-á que será da rotatividade dos plantéis, outra vez os factos desmentirão essa realidade:

1. No Chelsea, Lampard fez 40 jogos como titular esta época, marcando 17 golos, Essien fez 42 jogos também como titular, marcando 4 golos. Nesta mesma equipa, Ricardo Carvalho, Ballack, Makelele, Shevchenko, Drogba todos eles superam os 30 jogos,. Mesmo John Terry, frequentemente lesionado, acumula 27 jogos, quase tanto como uma Liga Portuguesa completa…

2. Arsenal (mesmo que hoje procedesse a alterações), Fabregas (37), Gilberto Silva (34), Lehman (32), , Hleb (29), Rosicky (26) todos com perto ou excedendo os 30 jogos. Manchester Utd, Ferdinand (34), Carrick (30), C. Ronaldo (33), Rooney (33), Van Der Sar (32) e a lista continua…

3. Noutros campeonatos, Ibrahimovic (37), Pizarro (38), Kaká (43!), Deco (51!!!), Cannavaro (44), Daniel Alves (34) e a lista poderia continuar.

Outros dados poderiam ser analisados, mas o essencial creio que está provado. Não me parece crível que a tal “sobrecarga competitiva” seja factor preponderante do menor rendimento físico das equipas Portuguesas nas competições em que estão envolvidas. Tal afirmação é tão menos crível quanto mais nos apercebemos da intensidade competitiva destes campeonatos, o que sustenta a minha afirmação anterior acerca do autismo do futebol nacional.

Como explicar então o menor rendimento físico dos nossos jogadores, cuja validade apenas parece ser confirmada dentro de portas, já que quando os mesmos são “transplantados” para outros campeonatos parecem dar boa conta do recado?

Quanto a mim, é tudo uma questão de amadorismo e qualidade. Um conceito emerge directamente do esforço, a saber, a intensidade do jogo. Noutros campeonatos, onde a qualidade dos intérpretes e da equipa técnica é claramente superior, a intensidade do jogo é controlada tacticamente, com a ocupação do espaço vazio, enquanto que em Portugal, se corre ainda muito atrás da bola.

A análise efectuada no parágrafo anterior é transversal ao espectro de equipas que compõem uma liga. Independentemente de a equipa defender e pressionar em bloco médio, médio-baixo, ou médio-alto, devido à sua qualidade e desenho táctico, a defesa é predominantemente zonal, controladora do espaço e das progressões longitudinais, a saída para o ataque é simplesmente um prolongamento da ocupação defensiva, sabendo as equipas desdobrar-se consistentemente. Um dos melhores exemplos é o Chelsea de Mourinho. O controlo que o Chelsea tem dos jogos, não se resume à sua posse, mas sim à sua gestão, a equipa sabe o que fazer com e sem bola, controlando o ritmo e a velocidade de modo a controlar os aspectos supracitados. Mais uma vez os factos, se considerarmos os principais momentos chave (10’ finais da 1ª e 2ª parte, e os 10’ iniciais da 2ª parte) verificamos que o Chelsea marcou, 50,7% dos seus golos em todas as competições, ou seja tantos quantos marcaria nos restantes 2/3 do jogo! A análise per si não é significativa, mas a sua interpretação tendencial pode ser, revela uma equipa que sabe que ao longo de uma época desgastante o mais importante é modular a intensidade do jogo fazendo-o variar por períodos de modo a influenciar o ritmo de jogo e a posse de bola, discernindo os momentos próprios de cada jogo onde se deve jogar para marcar, ou apenas para descansar, com ou sem bola.

As nossas equipas encontram-se cansadas não pela quantidade de jogos, mas sim pela intensidade de cada um deles. Porque não sabem modular a intensidade, ou controlar o jogo com ou sem bola, a ocupação dos espaços é anárquica e a segurança defensiva um desastre. Em sentido lato, as equipas Portuguesas quando querem ganhar, preocupam-se em marcar uma grande quantidade de golos o mais depressa possível para depois descansar, baixando o ritmo de jogo. Quando não querem perder, preocupam-se em entregar o controlo do ritmo ao adversário para depois especular a posse de bola em corridas e pontapé para a frente, sem conseguirem descansar. Com esta abordagem ao jogo, os jogadores correm atrás da bola, tacticamente as movimentações da equipa são desconexas obrigando a um maior esforço individual e colectivo.

Por isso se aconselha, antes de se queixarem da dita “sobrecarga competitiva” preocupem-se em educar os jogadores que a sua principal preocupação deverá ser não só marcar golo, mas mais importante, o que fazer com e sem bola. Os golos surgirão como consequência, como ocorrem noutras equipas que, embora sujeitas a muito maior desgaste, não é por isso que deixam de jogar bom futebol e conquistar títulos!

N.A.- apenas foram considerados os jogos em que os jogadores referidos foram titulares.

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